Inteligência e contrainteligência
Neste post apresentamos as definições de inteligência e contrainteligência.
Definições de inteligência e contrainteligência
A atual legislação do Estado brasileiro é útil na compreensão das definições relacionadas aos termos “inteligência” e “contrainteligência”. As definições a seguir foram extraídas da Lei 9.883/99 que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência e criou a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN. O marco legal definiu:
Entende-se como a inteligência a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado. […] Entende-se como contra-inteligência a atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa (BRASIL, 1999).
Não só o Brasil apresenta, em seu marco legal, referências sobre Inteligência. Outras nações fazem o mesmo. Destaca-se aqui a definição de inteligência encontrada na legislação dos Estados Unidos da América:
Inteligência estrangeira […] significa informações relacionadas às capacidades, intenções ou atividades de governos ou dos seus elementos, organizações estrangeiras ou pessoas estrangeiras(USA, 1978, livre tradução)
Desde tempos antigos, inteligência e contrainteligência foram considerados assuntos militares. A aquisição de informações dos oponentes e a proteção contra a aquisição de informações remontam à Antiguidade. A tradição judaico-cristã, representada aqui pelos escritos da Bíblia, nos conta que Josué, sucessor de Abraão no trono de Israel, enviou espiões para obter informações sobre Jericó:
E enviou Josué, filho de Num, dois homens desde Sitim a espiar secretamente dizendo: Andai e observai a terra e a Jericó. Foram, pois e entraram na casa de uma mulher prostituta, cujo nome era Raabe, e dormiram ali. Então, deu-se notícia ao rei de Jericó, dizendo: Eis que esta noite vieram aqui uns homens dos filhos de Israel para espiar a terra. Pelo que enviou o rei de Jericó a Raabe dizendo: Tira fora os homens que vieram a ti e entraram na tua casa, porque vieram espiar toda a terra. Porém aquela mulher tomou a ambos aqueles homens, e os escondeu, e disse: É verdade que vieram homens a mim, porém eu não sabia de onde eram. E aconteceu que havendo-se de fechar a porta, sendo já escuro, aqueles homens saíram; não sei pra onde aqueles homens se foram; ide após eles depressa porque vós os alcançareis. Porém ela os tinha feito subir ao telhado e os tinha escondido entre as canas do linho, que pusera em ordem sobre o telhado (JS 2.1-6).
Tem-se, portanto, um dos primeiros registros da utilização de inteligência e contrainteligência na história humana.
Há também a menção na milenar cultura chinesa. A obra “A Arte da Guerra”, escrita por volta do século I a. C, tem sua autoria atribuída a Sun-Tzu. Esta obra, de relevante importância na estratégia militar, compila uma série de informações sobre estratégias para se vencer batalhas e guerras. Em uma passagem, Sun-Tzu (2006) ensina sobre a inteligência:
Conhece o ponto forte e o fraco tanto dos que forem confiados aos teus cuidados quanto dos inimigos. Informa-te da quantidade e do estado em que se encontram as munições e os víveres dos dois exércitos (Sun-Tzu, 2006, p. 23).
Em outra passagem, Sun-Tzu ensina sobre a contrainteligência:
Finge ser fraco a fim de que teus inimigos, abrindo a porta para a presunção e para o orgulho, venham atacar-te na hora errada, ou sejam surpreendidos vergonhosamente. Age de tal forma que teus inferiores jamais descubram os teus projetos (Sun-Tzu, 2006, p. 24).
Ensina também sobre a avaliação das informações:
O general deve basear-se por avaliações prévias […] Com numerosos cálculos, pode-se obter a vitória. Teme quando os cálculos forem escassos. E quão poucas chances de vencer aquele que nunca calcula (Sun-Tzu, 2006, p. 26).
Todo um outro estudo inteiro poderia ser escrito sobre a inteligência e contrainteligência na obra de Sun-Tzu. Ainda assim, importa destacar trecho de sua obra bastante citado em outras literaturas:
Conhece teu inimigo e conhece-te a ti mesmo; se tiveres cem combates a travar, cem vezes serás vitorioso. Se ignoras teu inimigo e conheces a ti mesmos, tuas chances de perder e de ganhar serão idênticas. Se ignoras ao mesmo tempo teu inimigo e a ti mesmo, só contarás teus combates por tuas derrotas.(Sun-Tzu, 2006, p. 41)
O imperador romano Júlio César (100 aC – 44 aC) utilizava da criptografia para esconder informações que transmitia de seus mensageiros, bem como de seus adversários caso estes capturassem os mensageiros ou as mensagens. O método simples, que consiste em substituir as letras de um texto por outra letra do alfabeto, ficou conhecido como cifra de César (STALLINGS, 2008). Este é um dos diversos exemplos da utilização de contrainteligência no Império Romano.
Assim temos que, na doutrina militar, a inteligência é um conjunto de ações que têm como objetivo obter informações relevantes e tempestivas sobre os inimigos, potenciais inimigos e sobre o ambiente, reduzindo a incerteza no processo de tomada de decisão. Ao mesmo tempo, contrainteligência é o esforço de realizar medidas ativas e passivas para que o oponente não consiga obter informações sobre as forças amigas (USMC, 2007).
Ao longo do tempo, diversos autores trataram a inteligência como assunto de Estado. Inteligência é o conhecimento – e, idealmente, a previsão – procurado pelas nações em resposta as ameaças externas e para proteger seus interesses vitais, especialmente o bem-estar de sua própria população. Johnson entendia inteligência simplesmente como a atividade secreta estatal para entender e influenciar as entidades estrangeiras (LOCH JOHNSON, apud GILL & PHYTHIAN, 2012).
Neste ponto, torna-se necessário evidenciar as distinções entre inteligência e a contrainteligência. O corpo de fuzileiros navais dos Estados Unidos (U. S. Marine Corps), assim distinguiu:
A inteligência se esforça para alcançar dois objetivos. Primeiro, ela providencia tempestivamente conhecimentos acurados relevantes sobre o inimigo (ou o potencial inimigo) e sobre o ambiente circundante. O objetivo principal da inteligência é suportar a tomada de decisão reduzindo a incerteza sobre as situações hostis para um nível razoável, reconhecendo que a névoa da guerra deixa tudo próximo à certeza absoluta certamente impossível. O segundo objetivo da inteligência é auxiliar a proteger as forças amigas através da contrainteligência. A contrainteligência inclui medidas ativas e passivas cujo o objetivo é negar ao inimigo informação sobre a situação dos amigos. A contrainteligência inclui atividades relacionadas à contenção de espionagem hostil, subversão e terrorismo. A contrainteligência suporta diretamente as operações das forças de proteção ao ajudar o comandante a negar [anular] a inteligência inimiga e planejar apropriadamente as medidas de segurança. Os dois objetivos de inteligência demonstram que a inteligência possui elementos positivos – ou explorativos – e protetivos. Ela descobre condições que podem ser exploradas e simultaneamente provê alertas sobre as ações inimigas. Então a inteligência provê as bases para nossas próprias ações, tanto ofensivas quanto defensivas. (USMC, 2007, p. xiv, livre tradução)
A contrainteligência é utilizada para proteger as foças amigas, identificando e atuando contra as ameaças representadas por inteligência hostil ou por indivíduos e organizações engajados em espionagem, sabotagem, subversão e terrorismo. A contrainteligência melhora a segurança negando o acesso a informações aos adversários e neutralizando as ações de espionagem, sabotagem, subversão e terrorismo. A contrainteligência também atua de maneira preventiva, uma vez que pode atuar na identificação de ameaças potenciais, das capacidades das ameaças, vulnerabilidades e nas intenções. Isto torna a exploração das ameaças menos lucrativas (USMC, 2007).
Para o senso comum, a inteligência está relacionada com as ideias de espionagem e roubo de segredos. Ao mesmo tempo, não existe um consenso na definição de o que seja inteligência. A inteligência deve pode encarada como um meio para alcançar uma finalidade. Sabe-se ainda que inteligência é um processo dinâmico. Neste sentido, inteligência tornou-se um termo guarda-chuva, sem definição precisa. Diversos autores que tratam do tema geralmente definem inteligência de seu próprio modo, mas sem se referirem a outras definições e sem desconstruir o que já foi escrito (GILL & PHYTHIAN, 2012).
Importa ressaltar que o segredo é uma componente importante no conceito de inteligência. Sem segredos não há inteligência. A perda dos segredos é que põe em perigo as vantagens competitivas adquiridas pelas organizações. Se o alvo confia nas informações que estão sendo coletadas por ele, o conhecimento pode impactar os processos do alvo que alimenta desinformação para ele ou adota outras contramedidas.
GILL e PHYTHIAN (2012) descrevem:
Inteligência é um termo guarda-chuva que se refere a uma variedade de atividades – de planejamento e coleta de informações até análise e disseminação – conduzida em segredo, e destinada a manter ou melhorar a segurança relativa ao prover advertências de ameaças ou potenciais ameaças de uma maneira que permite a tempestiva implementação de uma política ou estratégia preventiva, incluindo, onde considerado desejável atividades secretas(GILL, PHYTHIAN, 2012, p. 38, livre tradução).
Neste ponto cabe observar que os Estados, as organizações militares e suas respectivas agências de inteligência são atores interessados no tema inteligência, mas não os únicos. No atual contexto, é visivelmente flagrante que outros atores estão interessados na coleta e análise de informações e na proteção de seus próprios segredos. Dentre estes atores se destacam os indivíduos ou organizações políticas, criminosas ou empresariais (GILL, PHYTHIAN, 2012).
Inteligência e contrainteligência nas organizações
Neste post, você conheceu as definições de inteligência e contrainteligência. Você também pode conhecer as definições de dados, informações e inteligência e o processo de inteligência.